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Cite as: Os Novos Meios de Tutela Preventiva dos Direitos de Propriedade Intelectual no Direito Portugues

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Os Novos Meios de Tutela Preventiva dos Direitos de Propriedade Intelectual no Direito Português

Miguel Lourenço Carretas*
 

Cite as: M L Carretas, "Os Novos Meios de Tutela Preventiva dos Direitos de Propriedade Intelectual no Direito Português", (2008) 5:3 SCRIPTed 455 @: http://www.law.ed.ac.uk/ahrc/script-ed/vol5-3/carretas.asp  
 

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DOI: 10.2966/scrip.050308.455
© Miguel Lourenço Carretas 2008.
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1. Introdução

Ainda que com quase dois anos de atraso (a data limite de transposição terminou em 29-04-2006), foi finalmente transposta, para o ordenamento Jurídico Português, a Directiva n.º 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, relativa ao respeito pelos direitos de propriedade intelectual – denominada como “Directiva Enforcement” (adiante denominada “Directiva”).

Tal transposição foi efectuada através da Lei 16/2008, de 1 de Abril, que introduz alterações significativas, quer no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), quer no Código da Propriedade Industrial (CPI).

Ao longo do presente artigo serão analisados, na perspectiva do Direito Português, os aspectos mais relevantes e inovadores relacionados com a tutela preventiva dos direitos de propriedade intelectual quer da Directiva, quer da lei nacional que a transpõe, abordando-se, para tanto também, questões relacionadas com as presunções de titularidade e legitimidade previstas no diploma comunitário e parcialmente transpostas para o ordenamento jurídico português.

Assim, e após uma breve descrição do Processo Legislativo que deu origem ao diploma nacional que procede à transposição da Directiva, essencial para a compreensão de alguns aspectos técnicos e de política legislativa que presidiram á sua elaboração, passaremos à análise crítica das disposições da Lei 16/2008, de 1 de Abril, tendo-se optado por apresentar tais comentários pela ordem como as respectivas matérias são tratadas na Directiva:

  1. As presunções de titularidade e a legitimidade processual;

  2. A Caracterização das Medidas de Obtenção e Preservação da Prova e Direito à Informação, analisando-se, nesta sede os aspectos substantivos mais relevantes destes institutos;

  3. Os aspectos processuais relativos àquelas mesmas medidas e ao direito à informação, propondo-se soluções para as dúvidas suscitadas pela deficiente redacção legal, nesta matéria;

  4. As medidas cautelares para a tutela do direito – nova providência cautelar especificada destinada a impedir uma violação iminente ou suspender uma violação actual de direitos de propriedade intelectual;

O arresto – que, como veremos, tal como foi transposto para a lei nacional, compreende duas medidas cautelares distintas.

2. O Processo de Transposição

O processo de transposição, em Portugal, começou já com um significativo atraso, como é aliás apanágio nacional,1 e decorreu sob da “ameaça” da abertura, por parte da Comissão Europeia, de um processo por incumprimento contra o Estado Português.

Ainda antes de terminado o prazo imposto para a transposição, um conjunto vasto de juristas – face à aparente passividade do Governo Nacional – reuniram os seus contributos na proposta de ante-projecto legislativo elaborada pelo Grupo de Trabalho de Propriedade Intelectual da Ordem dos Advogados, apresentada por esta entidade aos ministérios competentes.

Tal proposta tinha por objectivo assumido aproveitar esta oportunidade única para verter para Lei nacional mecanismos e procedimentos destinados a assegurar uma efectiva tutela dos direitos de Propriedade Intelectual.

No que concerne às instâncias governamentais, o processo começou tarde, tendo o primeiro “Projecto de Proposta de Lei”, da autoria do Gabinete do Direito de Autor do Ministério da Cultura, sido divulgado às entidades de gestão colectiva de direitos nacionais e disponibilizado no sítio daquele organismo (www.gda.pt), em Maio de 2006.

Além de se traduzir numa solução manifesta e assumidamente minimalista – e até mesmo potencialmente violadora do primado do direito comunitário sob as ordens jurídicas nacionais2 – as alterações então propostas geraram críticas da parte das entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos e do já referido “Grupo de Trabalho” da Ordem dos Advogados.

Tratava-se, ainda, de uma transposição parcelar, que apenas introduzia alterações ao CDADC, deixando de parte todas as matérias relativas à Propriedade Industrial. Tal facto deixava já antever uma transposição “a duas velocidades” e sujeita a diferentes critérios politico-legislativos, sem qualquer razão ou fundamento que justificasse a previsível incoerência entre as alterações ao CDADC e CPI.

O Ministério da Cultura apresentou, novamente através do Gabinete do Direito de Autor, em Agosto de 2006, um segundo “Projecto de Proposta de Lei”, que, apesar de acolher algumas das críticas formuladas - num claro esforço de consensualização, que se reconhece - estava, ainda assim, longe de corresponder às expectativas dos titulares de direitos de autor e conexos.

Entretanto o INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial (entidade dependente do Ministério da Justiça) elaborou um projecto de transposição que introduzia as necessárias alterações no CPI.

Tal projecto pretendia introduzir mudanças significativas quer pelas soluções técnicas que preconizava, quer na extensão das alterações propostas, de que são exemplos, a forma como se propunha transpor a norma relativa ao direito à informação, a clara distinção entre este e as “medidas para obtenção da prova” e “medidas de preservação da prova” e a criação de uma verdadeira e inequívoca providência cautelar especificada para impedir ou suspender a prática do ilícito.

Os Ante-Projectos oriundos do Gabinete do Direito de Autor e do INPI foram depois compilados (numa técnica de ‘copy-paste quase completo) numa única Proposta de Lei (Proposta de Lei 141/X/2.ª) que, já em meados de 2007, foi submetida pelo Governo à Assembleia da República. Confirmaram-se então os piores receios: se por um lado não se respeitou integralmente o texto comunitário em matéria de direitos de autor, por outro, propunham-se soluções distintas – por vezes diametralmente opostas – para os Direitos Autorais e Conexos e para a Propriedade Industrial.

De um lado, relativamente à Propriedade Industrial, pretendia-se introduzir profundas alterações ao regime legal de tutela dos direitos substantivos, conferindo-se aos respectivos titulares meios de defesa adequados a reagir contra a violação dos seus direitos e a obter uma justa indemnização pelos danos causados pelos actos ilícitos que os lesam. Por outro lado, em relação às alterações ao CDADC, a proposta mantinha algumas das normas que haviam suscitado as críticas já assinaladas, mas, sobretudo, a mesma concepção “minimalista” em resultado da referida “transposição selectiva”.

Mais do que soluções técnicas, eram diferentes opções de política legislativa que separavam as alterações propostas a cada um dos diplomas.

Importa salientar que, durante todo o processo de discussão parlamentar iniciado com a apresentação da Proposta de Lei 141/X/2.ª, as entidades representativas de titulares de direitos de autor e conexos (AFP, AUDIOGEST, GDA, GEDIPE, FEVIP, SPA) e organizações que representam os profissionais relacionados com a Propriedade Industrial (como é o caso da Associação Portuguesa dos Consultores em Propriedade Industrial), agiram sempre em perfeita sintonia e apresentaram, aos vários grupos parlamentares e membros do Governo responsáveis, posições conjuntas. Tratou-se de uma unidade e solidariedade sem precedentes, que era por si só representativa da unidade do “Direito da Propriedade Intelectual”, mas também da importância da matéria em apreço.

Foi assumidamente inspirado nas propostas das referidas entidades de gestão colectiva que, alguns dias antes da aprovação na generalidade da Proposta de Lei do Governo, foi apresentado um Projecto Lei da autoria do grupo parlamentar do Partido Comunista português (PCP) - Projecto de Lei 391/X/2.ª.

Este projecto legislativo propunha uma transposição alternativa da Directiva, na parte relativa ao CDADC, com o duplo objectivo de colmatar as deficiências apontadas à Proposta de Lei , e nivelar “por cima” o tratamento que era dado ao direito de autor, aproximando-o, assim, do regime proposto para a Propriedade Industrial.

Tal proposta veio também a ser aprovada na generalidade, tendo sido um importante contributo para o texto final que veio a constituir a Lei n.º 16/2008, de 1 de Abril.

A Proposta de Alteração à Proposta de Lei N.º 141 / X apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, em sede de discussão na especialidade, constitui, a fonte imediata da Lei 16/2008, de 1 de Abril, para a qual contribuíram ainda propostas de redacção alternativa apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PSD e o já referido Projecto de Lei 391/X/2.ª da autoria do Grupo parlamentar do PCP.

3. Análise crítica das principais alterações introduzidas a respeito da tutela preventiva dos Direitos de Propriedade Intelectual

3.1 Presunções de Titularidade e a Legitimidade Processual

Com o objectivo de transpor o disposto na alínea b) do artigo 5.º da Directiva, o legislador português acolheu o texto constante do Projecto de Lei 391/X/2.ª apresentado pelo PCP, e veio a introduzir, nos artigos 180.º, 185.º e 187.º do CDADC, presunções de titularidade, respectivamente, para os artistas, intérpretes ou executantes, para os produtores de fonogramas ou videogramas, e para os organismos de radiodifusão. Desta forma é estendido, com as necessárias adaptações, aos titulares de direitos conexos, o regime que há muito era aplicado aos autores (cfr. n.º 2 do artigo 27.º do CDADC).

Esta alteração traduz-se, na prática, numa importante simplificação da prova da titularidade de direitos conexos, nas acções judiciais e procedimentos em que os respectivos titulares pretendam fazer valer os seus direitos em relação às suas prestações artísticas, fonogramas, videogramas ou emissões.

Ao respectivo titular de direitos bastará, doravante, para que tal titularidade seja reconhecida, demonstrar que o seu nome (ou denominação) é indicado como tal nas cópias autorizadas (denominadas vulgarmente de “originais”) do fonograma ou videograma ou, no caso dos organismos de radiodifusão, na respectiva emissão.

Esta presunção é ilidível, como resulta do texto da própria directiva (“... na falta de prova em contrário...”), como aliás não podia deixar de ser, sob pena de se sacrificar irremediável e intoleravelmente a realidade material, em benefício de uma (eventualmente falsa) aparência.

Não obstante, uma vez demonstrado o conteúdo da previsão, pelo alegado titular de direitos (tipicamente o autor ou requerente), – ou seja, que é ele que figura como tal nos exemplares autorizados do fonograma, videograma ou emissão – competirá ao demandado ou requerido (tipicamente o alegado infractor) demonstrar que a titularidade não pertence àquele, ilidindo, por qualquer meio de prova legalmente admitido, a presunção ínsita nas referidas normas legais.

Embora se reconheça a dificuldade de aplicação destas normas, num contexto de disputa entre dois alegados titulares de direitos conexos da mesma espécie, em que ambas as partes invocam a seu favor idêntica presunção,3 ainda assim, estas normas vêm, pela tutela da aparência, colmatar as dificuldades de prova da titularidade dos direitos conexos, dificuldades essas que resultam do facto de tais direitos se constituírem independentemente de registo.

Como é evidente, a questão da prova da titularidade não se coloca da mesma forma em relação aos direitos de propriedade industrial, uma vez que estes estão sujeitos ao regime do registo.4 Não havia pois, neste particular, qualquer necessidade de intervenção legislativa no âmbito do CPI. Aliás, o artigo 5.º da Directiva é uma das poucas normas deste diploma comunitário exclusivamente relacionada com o direito de autor e direitos com ele conexos.

Outra questão, conceptualmente distinta, porém complementar das presunções de titularidade, é a da legitimidade processual para requerer “a aplicação das medidas, procedimentos e recursos”.

A Directiva estabelece, no seu artigo 4.º, que a legitimidade processual activa para intentar os procedimentos e acções nela previstos possa ser atribuída não só ao respectivo titular, como também (i) aos “organismos de gestão de direitos colectivos da propriedade intelectual”; (ii) a pessoas autorizadas a utilizar os referidos direitos (designadamente os titulares de licenças) e (iii) aos “organismos de defesa da profissão, regularmente reconhecidos como tendo o direito de representar os titulares de direitos de propriedade intelectual”.

Esta possibilidade de alargamento da legitimidade às várias categorias de entidades referidas nas alíneas b) a d) do artigo 4.º parece ser uma das poucas normas não imperativas da Directiva. A norma refere expressamente que tal legitimidade será atribuída “... na medida do permitido pela legislação nacional ...”, razão pela qual é nosso entendimento que as instâncias comunitárias pretenderam deixar ao critério dos vários Estados Membros, a possibilidade de atribuírem ou não legitimidade processual, ope legis, a tais organizações ou entidades.

No âmbito do CDADC estava já consagrada, com assinalável extensão, a legitimidade processual das denominadas “Entidades de Gestão Colectiva do Direito de Autor e Direitos Conexos”.5 A possibilidade de gestão colectiva de direitos de propriedade industrial não se coaduna - pelo menos com idênticas abrangência e características - à natureza e função social e económica de tais direitos, pelo que, neste particular, nada havia a alterar no âmbito do CPI.

O legislador nacional optou também por não alargar a legitimidade processual – quer no âmbito dos direitos de autor e conexos, quer no âmbito da propriedade Industrial - aos organismos de defesa da profissão. Cremos ter sido acertada a solução.

No âmbito do direito de autor, trata-se efectivamente de uma reminiscência sindicalista, com pouca tradição em Portugal, sendo que as vantagens que poderiam advir da atribuição de legitimidade a tais organismos podem facilmente ser melhor atingidas pelas mencionadas “Entidades de Gestão Colectiva”, sujeitas já a um regime legal específico e fortemente alicerçado na prática jurídica portuguesa. No âmbito da Propriedade Industrial são válidas, também em relação aos organismos de defesa da profissão, as considerações que referimos anteriormente, acerca da hipótese de gestão colectiva de direitos desta natureza.

Contudo já não acompanhamos o legislador nacional quando exclui, por omissão, pelo menos do texto expresso da lei, a legitimidade dos titulares de licenças de exploração de direitos de autor e direitos com eles conexos.

Tal exclusão é tanto mais incompreensível quanto, no mesmo diploma legal, em matéria de alterações ao Código da Propriedade Industrial (CPI), o legislador veio atribuir expressamente, através da introdução do novo artigo 338.º - B, legitimidade processual activa a “todas as pessoas com interesse directo no seu decretamento, nomeadamente pelos titulares de direitos de propriedade industrial e, também, salvo estipulação em contrário, pelos titulares de licenças nos termos previstos nos respectivos contratos”.6

São por demais evidentes as vantagens que decorrem da introdução desta norma no CPI, mormente no que concerne às medidas de obtenção e preservação da prova, bem como às medidas provisórias e cautelares para defesa do direito. Ao licenciado bastará, para comprovar a sua legitimidade processual, demonstrar que é beneficiário de tal licenciamento para que seja admitida a sua intervenção, embora a prudência recomende que, em caso de dúvida, se exija a exibição do respectivo contrato de licenciamento, a fim de verificar se este não exclui expressamente tal faculdade, não se bastando o julgador com a exibição da respectiva inscrição registal da licença. Entende-se, pois, que a vontade expressa do titular “originário” deverá, também neste caso, sobrepor-se ao princípio legalmente estabelecido.

Semelhante disposição não foi introduzida no CDADC, com prejuízo directo para pessoas e entidades que exploram, legitimamente, em Portugal, obras, prestações, e demais direitos de autor e conexos protegidos, de origem estrangeira, prejuízo esse que só não é maior, em virtude do que seguidamente se refere.

Razões de uniformização dos dois regimes, mas também relevantes interesses politico-legislativos de protecção dos interesses de cidadãos e empresas nacionais, impunham, a nosso ver, a introdução, no CDADC de uma norma de idêntico teor aquela que se encontra plasmada no actual artigo 338.º - B do CPI.

Não obstante a pertinência de introduzir semelhante norma no CDADC, nem por isso a ausência de dispositivo expresso nesse sentido será tão perniciosa.

Na verdade, a legitimidade dos titulares de licenças de exploração de direitos de autor e conexos para requerer “a aplicação das medidas, procedimentos e recursos”, previstos na Directiva, decorre, curiosamente, de outras disposições introduzidas no CDADC, pela mesma Lei 16/2008, bem como de normas e princípios de direito supra-nacional.

Desde logo, a própria Lei refere, especificamente, a propósito das providências cautelares (destinadas à defesa do direito) e do “novo” arresto, que “ …o tribunal exige que o requerente forneça todos os elementos de prova para demonstrar que é titular de direito de autor ou de direitos conexos, ou que está autorizado a utilizá-los7,8 (sublinhado nosso).

É pois claro que, pelo menos estas medidas e também a prestação de informações, poderão ser requeridas, não só pelo respectivo titular “originário”, como também pelo titular de uma “autorização” ou “licença” para exploração dos respectivos direitos de autor ou conexos em Portugal, isto, obviamente, sem prejuízo da legitimidade reconhecida às entidades de gestão colectiva de direitos.9

Consequente e forçosamente, aos titulares de licenças ou autorizações, assim legitimados a intervir nos procedimentos e medidas cautelares, há que reconhecer-se também legitimidade processual activa nas acções principais deles decorrentes ou no âmbito das quais tais procedimentos e medidas foram intentados. Este princípio deverá contudo ceder, em coerência com o que acabámos de afirmar, perante a exclusão expressa desta faculdade no contrato de licenciamento ou autorização.

Ainda outros argumentos militam a favor da posição que se defende. Desde logo, princípio da livre transmissibilidade dos direitos de autor e conexos, bem como a possibilidade de licenciamento total ou parcial, são acolhidos não só na ordem jurídica interna, como também no direito comunitário (cfr. a título exemplificativo, o disposto no n.º 3 do artigo 2.º, no n.º 2 do artigo 7.º e no n.º 4 do artigo 9.º, todos da Directiva n.º 92/100, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual).

O mesmo princípio decorre ainda de tratados e convenções internacionais.

Em relação ao caso específico dos produtores de fonogramas, é a própria Convenção de Roma10 que, no seu artigo 11.º – a propósito não propriamente da legitimidade ou capacidade processual, mas da própria reivindicação de titularidade – admite que a reivindicação possa ser feita em nome do “titular da licença concedida pelo produtor (pelo nome, marca ou outra designação apropriada)”.

Esta norma, quando transposta para o ordenamento jurídico nacional – antes mesmo da ratificação formal da Convenção –, acabou por dar origem aos actuais n.os 1 e 2 do artigo 185.º do CDADC, este aplicável não só ao produtor fonográfico, como também ao produtor videográfico.

Ora, do referido n.º 2 decorria já que a reivindicação de protecção11 podia ser efectuada em nome e benefício do “representante do produtor”, que é, em regra, o titular da licença.

Com o aditamento do novo n.º 3 ao referido artigo 185.º12 os titulares de licenças de direitos conexos de produtor, podem também beneficiar da presunção de titularidade sempre que estejam preenchidos os requisitos previstos nos números 1 e 2 desse mesmo artigo.

Parece evidente o que se pretende: estabelecer uma presunção de titularidade do direito conexo de produtor, e não propriamente - ao contrário do que o teor literal da norma poderia induzir - uma presunção de quem é (ou foi), de facto, o produtor “originário” entendido enquanto “pessoa singular ou colectiva que fixa pela primeira vez os sons provenientes de uma execução ou quaisquer outros, ou as imagens de qualquer proveniência, acompanhadas ou não de sons.” (n.º 3 do artigo 176.º do CDADC). Só assim se poderá compreender a referência ao “representante” do produtor contida no n.º 2 do artigo 185.º.

Tal “transmissário do direito”, assim identificado, intervém no procedimento enquanto titular do direito (de exploração) e na exacta posição do respectivo titular “originário”. Eis como, em algumas circunstâncias, a intervenção processual dos titulares de licenças é resolvida, em termos práticos, não pela via da legitimidade, mas pela via da própria titularidade (presumida).

3.2 Caracterização das Medidas de Obtenção e Preservação da Prova e Direito à Informação

3.2.1 Medidas Para a Obtenção (de Elementos) de Prova

As medidas para obtenção de elementos de prova encontram-se previstas no artigo 6.º da Directiva e a sua transposição deu origem aos artigos 210.º-A do CDADC e 338.º-C do CPI, cuja redacção é, no essencial, idêntica – sem prejuízo da diferenciação seguidamente assinalada - razão pela qual se opta pela análise conjunta das disposições aditadas aos dois diplomas legais.

Seguindo de perto o texto da Directiva, o legislador nacional estabeleceu, a favor do lesado, o direito de requerer a apresentação de elementos de prova que se encontrem “na posse, na dependência ou sob controlo da parte contrária”. No entanto, a norma nacional vai mais longe do que o imposto pelo legislador comunitário, ao permitir que a apresentação de tais elementos seja requerida mesmo que estes se encontrem na posse de terceiros.

A expressão “parte contrária” contida no n.º 1 do artigo 210-º-A do CDADC e no n.º 1 do artigo 338.º-C do CPI é, afinal, a parte contra quem é requerido o pedido na acção declarativa de condenação (acção essa que pode até nem ter sido ainda interposta, como veremos seguidamente), tipicamente, o alegado infractor.13

A Lei não especifica que tipo de elementos de prova podem ser exigidos pelo titular de direitos, o que leva a admitir a exigibilidade de quaisquer elementos de prova que, pela sua natureza, possam ser objecto de posse e apresentação (bens móveis corpóreos), e não apenas documentos. No entanto, seguindo uma vez mais de perto o disposto na Directiva, as normas deixam claro que, no caso de infracções à escala comercial, o requerente poderá “solicitar ao tribunal a apresentação de documentos bancários, financeiros, contabilísticos ou comerciais”, de onde se infere, a contrario, que, sempre que a infracção não seja praticada à escala comercial, a apresentação de tais documentos não será possível, por esta via.

Paradoxalmente e em tais circunstâncias, no âmbito do CPI, a apresentação destes documentos pode ser exigida, não só à “parte contrária” como também a terceiros, enquanto que no CDADC, a referência a tais terceiros é, inexplicavelmente, omitida.

Apesar de, com toda a probabilidade, estarmos perante uma pura omissão do legislador, será legítimo questionar a possibilidade de interpretação extensiva do n.º 2 do artigo 210.º-A do CDADC, permitindo que, no caso de infracções à escala comercial, seja decretada a apresentação de tais elementos, mesmo que em poder de terceiros. Não obstante as dúvidas que se podem suscitar a este respeito, propendemos para admitir tal possibilidade. Aliás, só assim a medida alcançará plenamente o seu efeito prático.

Para fundamentar a sua pretensão, de acordo com os mencionados preceitos legais, o interessado terá que apresentar “indícios suficientes da violação” do direito em causa. Para aferir a probabilidade da existência do direito, o julgador dever-se-á bastar – atentos os próprios fins e a natureza da medida – com uma prova meramente indiciária.14

Tal prova deverá incidir, ainda que a Lei não o refira expressamente, não só sobre a violação, como também sobre a titularidade do direito invocado. Acresce que o requerente deverá ainda especificar, na medida do razoável - tendo em conta o relativo desconhecimento que terá sobre tais elementos, em concreto – os elementos de prova que pretende obter e justificar, ainda que sumariamente, a pertinência e utilidade da sua obtenção, tendo em vista a prova que pretende efectuar.

As medidas, uma vez decretadas, são executadas por uma ordem judicial notificada ao requerido para a apresentação dos elementos de prova que se encontrem em seu poder.

As medidas para a obtenção da prova são, pois, distintas do instituto da produção antecipada de prova regulada nos artigos 520.º e seguintes do CPC,15 aproximando-se significativamente das regras para a obtenção de documentos em poder da parte contrária ou de terceiro, previstas nos artigos 528.º e seguintes do mesmo código. Todavia, as normas ora vertidas no CDADC e CPI têm um âmbito mais alargado, uma vez que se aplicam não só a documentos, como também a quaisquer elementos de prova, além de permitirem, no caso de infracções à escala comercial, a apresentação de documentos bancários, financeiros, contabilísticos ou comerciais.

Reconhece-se, porém, que atentos os restantes direitos e “medidas” ora previstas em ambos os códigos – através dos quais o titular poderá, em muitos casos, obter semelhante desiderato de forma mais vantajosa –, o alcance prático destas normas, particularmente em casos onde se encontrem cumulativamente preenchidos os requisitos de procedimentos cautelares, será reduzido.

3.2.2 Medidas para a Preservação da Prova

Paralelamente às medidas para a obtenção da prova, o legislador, em cumprimento do disposto no artigo 7.º da Directiva, contemplou, no artigo 210.º-B do CDADC e no artigo 338.º-D do CPI, medidas destinadas a preservar a prova de uma alegada violação do direito, uma vez mais, através de normas em tudo idênticas.

Estas medidas podem ser requeridas no contexto de uma violação actual ou de uma violação iminente, por previsão expressa das normas legais em apreço.

Aplicando estas normas pode o Tribunal decretar qualquer medida que tenha por objectivo preservar a prova de uma violação de direitos de propriedade intelectual, não estando, por isso, limitado ao decretamento das medidas que, a título exemplificativo, são enumeradas na Lei, a saber: (i) descrição pormenorizada dos bens, com ou sem recolha de amostras, e (ii) apreensão efectiva de bens que se suspeite violarem o direito invocado, bem como dos materiais e instrumentos utilizados na produção ou distribuição de tais bens, incluindo os documentos a eles referentes.

Caberá ao requerente demonstrar a violação ou o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito que invoca,16 além de, obviamente, dever apresentar provas que sustentem a sua legitimidade. Acresce que, sempre que pretenda requerer a dispensa de audiência prévia do requerido, deverá ainda demonstrar a irreparabilidade dos danos causados pela conduta lesiva invocada ou o risco sério de destruição ou ocultação da prova.

A prova exigível ao requerente deverá ter em conta as circunstâncias concretas da infracção invocada, bem como o facto da medida ter por objectivo a preservação de elementos de prova, de que o requerente se pretende servir para sustentar futuros procedimentos ou acções.17 Tratar-se-á, portanto, de uma prova sumária, tipicamente exigida em procedimentos cautelares, que deverá ter ainda em consideração a natureza e objectivos específicos desta medida.

À semelhança do que referimos a propósito das medidas para a obtenção da prova, também aqui deverá o Tribunal ter em conta a relevância e pertinência dos bens a apreender, para a prova a realizar e apreciar futuramente.

Tal não significa que os mesmos bens e elementos que constituam objectos do ilícito ou que tenham servido para a sua produção ou distribuição, não possam (ou não devam) ser apreendidos, independentemente da sua relevância probatória, mas apenas que este não será o meio próprio para obter tal desiderato.18

3.2.3. O Direito à Informação

O artigo 8.º da Directiva (relativo ao direito à informação) vem colocar à disposição dos titulares de direitos de propriedade intelectual um importante e útil instrumento para o conhecimento integral dos circuitos comerciais de bens que se suspeite violarem direitos de propriedade intelectual, bem como do volume, circunstâncias e contornos concretos dessas mesmas eventuais infracções.

Estas medidas podem ser requeridas contra o alegado infractor e também contra terceiros. Estes “terceiros” encontram-se expressamente referidos nas várias alíneas do n.º 1 do mencionado artigo 8.º, ou seja, aqueles que: (i) utilizem, tenham na sua posse, ou tenham participado na produção, fabrico ou distribuição de bens que violem direitos de propriedade intelectual; (ii) prestem, utilizem ou tenham participado na prestação de serviços que violem direitos de propriedade intelectual ou ainda (iii) que prestem, à escala comercial, serviços utilizados para a violação dos direitos de propriedade intelectual.

Escusado será referir a utilidade desta faculdade, particularmente no contexto de grandes redes de distribuição ou de violações perpetradas através da internet.

Tal artigo foi transposto (e praticamente copiado) para o CDADC e CPI, tendo dado origem, respectivamente, aos actuais artigos 210.º-F e 338.º-H, que, sobre a epígrafe “Obrigação de Prestar Informações”, vêm regular esta matéria.

A semelhança das disposições nacionais com a norma comunitária dispensa considerações alongadas sobre estes preceitos, pelo que nos limitaremos a assinalar sumariamente os requisitos de exercício do direito e uma divergência relevante (porém, quase subliminar) entre o texto da Directiva e das normas nacionais.

Para exercer o direito à informação o requerente deverá, de acordo com a Directiva, apresentar um pedido razoável e justificado. O objectivo da atribuição deste direito é precisamente o de confirmar a existência de uma violação, a sua real amplitude e contornos e a sua extensão.

Bem andou o legislador nacional ao referir que o interessado pode requerer “a prestação de informação detalhada, sobre a origem e as redes de distribuição dos bens ou serviços, que se suspeite violarem direitos ... ”.

Bastará, pois, ao requerente oferecer prova sumária e indiciária da violação dos seus direitos e da existência dos serviços ou bens litigiosos (o que pode até ter já ocorrido no contexto da acção ou procedimento em causa), devendo o Tribunal deferir o pedido sempre que os elementos apresentados sejam suficientes para, de acordo com as regras de experiência comum, fundar uma suspeita razoável, ou uma probabilidade de existência efectiva da violação. Além do mais deverá o requerente apresentar elementos de prova da titularidade do direito invocado e da sua legitimidade.

Deve também admitir-se que, atenta a natureza e objectivos da medida, a demonstração da alegada violação e da titularidade do direito invocado possa ser feita, em função do ilícito concretamente invocado, como que “por amostragem”, através de “uma amostra razoável de um número substancial de cópias de uma obra ou de qualquer outro objecto protegido”. Tal é o que dispõe expressamente a Directiva a propósito da obtenção de elementos de prova, referência esse cuja aplicação no contexto do exercício do direito à informação nos parece também plenamente justificada.

A transposição da norma comunitária para o direito nacional tem, todavia, uma falha grave, comum a ambos os diplomas em análise, que cumpre assinalar.

A alínea c) do n.º1 do artigo 8.º da Directiva determina que as informações requeridas devam ser prestadas por qualquer pessoa que “tenha sido encontrada a prestar, à escala comercial, serviços utilizados em actividades litigiosas.”

Ora, é evidente, e resulta do texto da norma que, por um lado, é o serviço que é prestado à escala comercial, não sendo requisito que a infracção seja, ela própria, praticada à escala comercial e, por outro, não é o prestador do serviço que pratica a infracção, mas antes um terceiro, que o utiliza como meio para a prática do ilícito.

Esta situação concreta – comum no âmbito de infracções perpetradas através da internet – não se encontra expressamente prevista nas normas nacionais em causa (alíneas a) e b) dos n.º 2 dos artigos 210-º-F do CDADC e 338.º-H do CPI). Melhor seria que, também aqui, o legislador tivesse optado por copiar as normas da Directiva.

Tal omissão, não deverá contudo afastar a obrigação de prestação de informações, por parte prestadores de serviços, que se encontram nas condições previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º da Directiva. Impõe-se, pois, efectuar uma interpretação das normas nacionais em conformidade com a Directiva. As informações poderão, assim, ser exigidas a um terceiro (que não o infractor) que preste serviços, à escala comercial, serviços esses que são utilizados pelo infractor para a prática da actividade delituosa. Assim o impõe o carácter imperativo da norma comunitária.

3.3 Tramitação Processual das Medidas de Obtenção e Preservação da Prova e do exercício do direito à informação

Lamentavelmente, o legislador não resolveu expressamente a questão da tramitação processual das medidas que vimos analisando, o que impõe ao intérprete um esforço acrescido, potenciando os riscos de divergência de posições e decisões jurisprudenciais em matéria que reclama um elevado grau de certeza jurídica.

Como resulta evidente, a lei não criou um processo e uma tramitação completamente autónomos para estas e outras medidas vertidas em ambos os códigos.

No entanto, reconhecendo a natureza específica dos direitos em causa, seguindo de perto a Directiva, o legislador nacional atribuiu aos lesados, que aleguem a titularidade de um direito de propriedade intelectual, meios processuais para a sua salvaguarda. Trata-se, por assim dizer, de direitos “adjectivos” ou instrumentais para a defesa do seu direito de propriedade intelectual face a lesões, ou ameaças de lesão, por parte de terceiros.

Paralelamente o legislador definiu ainda as condições de exercício desses mesmos direitos instrumentais, estabelecendo assim, os pressupostos essenciais dos quais depende o decretamento das medidas.

Já em relação à tramitação e marcha do processo e demais requisitos formais, optou por estabelecer apenas os desvios ao regime geral que considerou necessários para acautelar a especificidade dos direitos em causa, designadamente através das normas previstas no artigo 210.º-C e 210.º-D do CADCD, 338.º-E e 338.º-F do CPI. De igual modo estabeleceu também uma norma específica relativa à responsabilidade do requerente (prevista no artigo 210.º-E do CDADC e 338.º-G do CPI).19

Ou seja, em relação a alguns dos direitos e faculdades “instrumentais” conferidos pela Directiva, o legislador estabeleceu pressupostos e requisitos de procedência e normas procedimentais que constituem, a nosso ver, verdadeiras “medidas” (no sentido de procedimentos) com um grau suficiente de especificação para justificar a sua caracterização como verdadeiros procedimentos autónomos, ainda que supletivamente regulados pelas normas gerais de direito processual civil.

Uma vez que, quer em relação às medidas para a obtenção e preservação da prova, quer em relação ao direito à informação, o legislador não os caracterizou nem indicou expressamente qual o regime supletivo, a questão está pois em saber qual a via processual própria para o exercício de tais direitos. Veremos seguidamente como a solução que propomos não é idêntica para todos os casos.

3.3.1 Medidas Para a Obtenção (de Elementos) de Prova

Verifica-se, desde logo, que o teor literal dos artigos relativos à tramitação e contraditório (210.º-C do CDADC e 338.º-E do CPI), que sugere uma tramitação típica de procedimento cautelar, apenas impõe a sua aplicação às medidas para preservação da prova. Tal redacção poderia levar a excluir, liminarmente, a caracterização das medidas para a obtenção de elementos de prova como procedimentos cautelares.

Mas tal facto não deve ser considerado significativo, até porque existem outras razões para o afastamento da aplicação do disposto nos referidos artigos 210.º-C do CDADC e 338.º-E do CPI: estas normas vêm precisamente regular os casos em que fruto de um periculum in mora, por assim dizer, acrescido, o contraditório é afastado, o que fará pouco sentido em relação a esta medida que, como vimos, se executa através de uma notificação ao requerido.

Já é significativo o facto dos artigo 210.º-D do CDADC e 338.º-F do CPI determinar a aplicação, quer às medidas para a obtenção da prova, quer às medidas para a sua preservação, das causas de extinção e caducidade das providências cautelares comuns, “salvo quando estas se configurem como medidas preliminares de interposição de providências cautelares” especificamente previstas nos respectivos diplomas.

Não restam dúvidas que o legislador admite expressamente a possibilidade das medidas para obtenção da prova serem requeridas antes de intentada qualquer acção principal e mesmo antes de intentado um procedimento cautelar para a defesa do direito invocado. Ainda que quanto a elas, não deixe de ser, pelo menos, controversa a determinação do exacto sentido e alcance da sua extinção ou caducidade. Pela sua natureza, a apresentação de elementos de prova, esgotar-se-á, em princípio no cumprimento pelo requerido da ordem judicial para a sua apresentação.

O que acabámos de referir, não significa, por si só, que os artigos 210.º-A do CDADC e 338.º-C do CPI constituam novos procedimentos cautelares especificados.

Apesar de ser matéria sobre a qual se levantam fundadas dúvidas interpretativas – e sobre a qual não existe ainda qualquer decisão judicial – inclinamo-nos para não considerar as “medidas para a obtenção da prova” como um verdadeiro procedimento cautelar especificado.

Desde logo porque a urgência ou periculum in mora, ainda que possa verificar-se em concreto, não é um requisito legalmente referido.

Por outro lado, nem o legislador comunitário, nem mesmo o legislador nacional (ressalvada a errada redacção da epígrafe do artigo) estabeleceram verdadeiras normas procedimentais, ou requisitos específicos, para a tramitação e decretamento da medida destinada à apresentação de elementos de prova. Não estamos pois perante uma “medida” ou “procedimento” específicos, tal como tais expressões são utilizadas no contexto da Directiva.

O decretamento da apresentação de elementos de prova pode, assim, ser obtido por várias vias e em diferentes momentos processuais, sendo que, por via de regra, ele não terá autonomia, sendo requerido no contexto de uma outra acção ou procedimento cautelar. A referência à “parte”, quer no artigo 6.º da Directiva, quer nas normas em análise, aponta também nesse sentido.

A apresentação de elementos de prova poderá também, em tese, ser requerida pela via do procedimento cautelar, devendo, neste caso, preencher os requisitos do procedimento cautelar comum, e a eventual dispensa de contraditório prévio seria aferida nos termos do CPC, e não das normas do CDADC e CPI.

Reconhece-se, todavia, que, afastada a caracterização destas “medidas” como procedimentos cautelares especificados, a utilização de um procedimento cautelar comum, exclusivamente destinado a este fim, prévio à instauração da acção principal (ou à providência cautelar para a defesa do direito de propriedade intelectual), levanta o problema da relação entre este e a futura acção ou procedimento, quer quanto ao objecto, quer mesmo quanto às partes, na hipótese da apresentação dos elementos de prova ser ordenada a terceiros.

Efectivamente, a relação entre o objecto do procedimento com vista à apresentação dos elementos de prova e a acção principal deveria ser aferida de acordo com os objectivos que os artigos 210.º-A do CDADC e 338.º-C do CPI visam prosseguir.

Assim, a relação entre o objecto do procedimento prévio e a acção deve aquilatar-se pela potencial (e não necessariamente efectiva) utilidade das provas que o requerente pretendia obter (e não naquelas que foram, de facto, obtidas) para fundamentar a futura acção principal. Não se tratando de um procedimento cautelar especificado, não é possível defender que tal relação resulta ope legis, pelo que terá sempre de ser aferida, em concreto, de acordo com os critérios gerais, embora tendo em linha de conta os fins visados pelas normas em causa.

Na mesma ordem de razões, o periculum in mora, não deixando de ser, nestes casos, um requisito a exigir, terá que ser aferido, não só em relação à lesão provocada pela violação do direito, como também e principalmente, em relação ao risco de perda e adulteração desses elementos de prova, que devem ser qualificados como essenciais ou pertinentes para a descoberta da verdade e decisão de mérito na acção principal, e não enquanto uma medida necessária para assegurar a utilidade ou a execução da decisão final.

Admite-se, contudo, que em situações em se verifiquem os pressupostos gerais exigidos para a procedência de um procedimento cautelar, o titular do direito alegadamente violado opte por peticionar medidas de preservação da prova, que lhe serão, tipicamente mais favoráveis, em detrimento das ora analisadas, o que relativiza a importância prática desta problemática.

A apresentação de elementos de prova será pois, tipicamente – quando requerida no âmbito de um acção já interposta, e fora dos casos de urgência – peticionada nos momentos e pelas vias processuais próprias, estabelecidas na legislação processual civil geral, seguindo, nestes casos, o disposto nos artigos 528.º e seguintes do CPC, com as necessárias adaptações, decorrentes do disposto nos artigos 210.º-A do CDADC ou 338.º-C do CPI, já assinaladas.20

Esta solução é perfeitamente adequada ao espírito dos artigos 211.º-B, n.º 1 do CDADC e 338.º-P do CPI que regulam, ainda que com uma redacção longe de perfeita, o direito subsidiário aplicável.

3.3.2 Medidas Para a Preservação da Prova

Se é este o nosso entendimento em relação às medidas para a obtenção da prova, já o mesmo não poderá manter-se, utilizando precisamente os mesmos critérios e princípios, quanto às “Medidas para Preservação da Prova” (artigos 210.º-B do CDADC e 338.º-D do CPI).

É certo que as medidas partilham o regime especial de extinção e caducidade.

Porém, ao contrário do que ocorre com a obtenção de elementos de prova, para a preservação da prova, a “violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito” - é pressuposto e requisito material expresso de decretamento da medida.

Acresce que, ao contrário do que ocorria com as medidas para a obtenção de elementos de prova, o legislador introduziu, nos artigos 210.º-C do CDADC e 338.º-E do CPI, uma tramitação específica, típica de um procedimento cautelar, estabelecendo, inclusivamente, regras expressas relativas à responsabilidade do requerente.

Assim, e ao que tudo indica, estamos perante um verdadeiro procedimento cautelar especificado – ainda que o legislador não o caracterize expressamente como tal.

Os pressupostos dos quais depende o decretamento de semelhante providência encontram-se plasmados no n.º 1 dos artigos 210.º- B e 338.º-D, respectivamente do CDADC e do CPI, prevendo os artigos seguintes as regras especiais de tramitação, requisitos adicionais relativos à possibilidade de dispensa de contraditório prévio e demais termos subsequentes.

Apenas a título subsidiário serão aplicáveis as normas relativas a “outras medidas e procedimentos previstos na lei, nomeadamente no Código de Processo Civil” (redacção do n.º 1 do artigo 211.º-B do CDADC e artigo 338.º-P do CPI), normas essas que são as previstas para o procedimento cautelar comum.21

A interpretação que ora defendemos, e que leva a caracterizar as medidas para preservação da prova como procedimentos cautelares e urgentes, tem também pleno apoio no texto do artigo 7.ª da Directiva, que refere expressamente que estas se podem requerer “antes de se intentar uma acção relativa ao mérito da causa”. Também a respectiva epígrafe (“Medidas de Preservação da Prova” - sublinhado nosso), sustenta tal interpretação, particularmente se esta norma for conjugada com o artigo 3.º do mesmo diploma comunitário.

Também aqui o periculum in mora deve ser aferido, não apenas pela actualidade da violação ou pelo fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, mas também e sobretudo, pelo risco de perda ou adulteração da prova da infracção.22

A relação entre o objecto da providência e o objecto da acção principal deverá ser buscada na utilidade das provas que se visam preservar para a acção principal, conforme tivemos já oportunidade de referir no capítulo antecedente, em relação às medidas para obtenção de elementos de prova. Não obstante, e porque entendemos estarmos perante uma providência cautelar especificada, é legítimo defender que tal nexo resulta da norma expressa dos artigos 210.º-B do CDADC e 338.º-D do CPI. Se a lei estabelece expressamente um procedimento para este fim, então, é evidente que a relação entre o procedimento e a acção principal, terá que ser aferida no âmbito e com referência aos objectivos destas mesmas normas.

3.3.3 Direito à Informação

A respeito da tramitação que deverá seguir o exercício do direito à informação – matéria sobre a qual o legislador foi completa e irresponsavelmente omisso, quer no CDADC quer no CPI – são válidos os princípios e critérios formulados e até as conclusões a que chegámos a propósito das medidas de obtenção da prova, para os quais remetemos.

Também em relação a esta “medida”, e ainda com maior apoio literal, quer o legislador comunitário quer o legislador nacional, mais não pretenderam que atribuir um direito ou faculdade instrumental ao titular do direito de propriedade intelectual, enunciando os seus pressupostos e condições de exercício.

Em caso algum a urgência – quer enquanto violação actual, quer enquanto risco sério de lesão grave e dificilmente reparável do direito – é referida como requisito necessário, apesar de, em concreto, poder verificar-se.

Acresce ainda que a própria Directiva parece contextualizar estas medidas no âmbito dos procedimentos relativos à violação do direito, nada referindo sobre a instauração prévia à acção ou procedimento para a defesa do direito, ainda que tal possibilidade não deva ser afastada.

Tão-pouco nos podemos socorrer da norma que determina a aplicação às medidas de obtenção e preservação da prova, as causas de extinção caducidade dos procedimentos cautelares, uma vez que tal norma não é expressamente aplicável ao exercício do direito à informação.23

Tanto quanto podemos vislumbrar do texto legal, nada indica estarmos perante um procedimento cautelar especificado, pelo que tal hipótese será de afastar.

Por tudo isto, apesar das dificuldades e dúvidas provocadas pelo incauto legislador, arriscamos defender que, à semelhança das medidas destinadas à obtenção (dos meios) de prova, também o direito à informação poderá ser exercido (e neste caso sê-lo-á, por via de regra) no âmbito de uma acção principal. Neste caso o pedido deverá ser formulado nos momentos processuais próprios para o efeito, seguindo designadamente, com as necessárias adaptações, os termos previstos para a apresentação de documentos em poder da parte contrária, ou de terceiros, sem prejuízo da possibilidade de tal prestação de informações poder ser requerida, em fase anterior à da produção de prova, designadamente para a determinação concreta de um pedido genérico.

Nada obsta ainda a que o direito à informação possa ser exercido através de uma acção declarativa de condenação, em que o pedido será a condenação do obrigado à prestação de informações.

O Direito à Informação poderá ainda, em tese, ser exercido pela via do procedimento cautelar comum, sem prejuízo das objecções anteriormente formuladas a propósito da utilização desta via para a obtenção de elementos de prova, que aqui são também aplicáveis.

Ainda que se reconheça que esta não seria, porventura, a melhor solução, ela é a possível, face ao texto e espírito das normas em causa.

3.4 Providência Cautelar para a Tutela do Direito

A transposição para a ordem jurídica nacional do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º da Directiva deu origem aos artigos 210.º-G do CDADC e 338.º-I do CPI, artigos que têm uma redacção substancialmente idêntica, pelo que, uma vez mais, será possível proceder à sua análise conjunta.

Esta “medida” é, ao contrário das anteriormente analisadas, expressamente caracterizada como uma Providência Cautelar, razão pela qual não se levantam com igual acuidade dúvidas interpretativas em relação à sua tramitação. Trata-se de um procedimento cautelar especificado ao qual se aplica o regime previsto nos mencionados artigos do CDADC e CPI, bem como, por remissão expressa dos respectivos números 5, os artigos relativos à tramitação, causas de extinção e caducidade e responsabilidade do requerente dos códigos onde estão inseridos e ainda, a título supletivo, as regras relativas ao procedimento cautelar comum, previstas nos artigos 381.º e seguintes do CPC.

Poder-se-ia defender que o procedimento cautelar comum geral, previsto na legislação processual civil, seria suficiente para garantir a conformidade da legislação nacional com a determinação da Directiva, e que, como tal, esta norma não carecia de qualquer transposição para o direito nacional.

Entendemos contudo, desde a primeira hora, que os objectivos que o legislador comunitário se propunha alcançar só poderiam ser integralmente realizados, na nossa prática judicial, com a introdução, na legislação especial relativa à propriedade intelectual, de normas específicas. Efectivamente, só assim se acautelaria a natureza específica destes direitos imateriais, cuja particular vulnerabilidade reclama um “elevado nível de protecção” que, no dizer da própria directiva, deve ser assegurada através de uma “acção específica ao nível comunitário” (cfr. Considerandos 9 e 10 da Directiva).

Tal foi a opção seguida pelo legislador nacional, que, inequivocamente, pretendeu criar um instrumento próprio para a defesa cautelar e preventiva dos direitos de propriedade intelectual.

De tal opção o intérprete e aplicador da lei deverá retirar as devidas consequências.

Ao contrário das “medidas” e/ou “direitos instrumentais” anteriormente analisados, as providências cautelares, previstas nos artigos 210.º-G do CDADC e 338.º-I do CPI, destinam-se a assegurar a tutela provisória e cautelar do próprio direito violado ou ameaçado – e não elementos que directa ou indirectamente se relacionam com a prova da violação ou da sua extensão. Contudo, nada obsta a que, cumulativamente,24 e no mesmo procedimento, seja também requerida a apresentação de elementos de prova, medidas com vista à sua preservação, prestação de informações ou mesmo a apreensão de bens objecto do ilícito e instrumentos que sirvam para a sua prática.25

Verdadeiramente inovador é o facto de a lei, seguindo uma vez mais o texto da Directiva, estabelecer expressamente que as medidas cautelares podem ser decretadas “contra qualquer intermediário [que não o infractor] cujos serviços estejam a ser utilizados por terceiros para violar direitos” de propriedade intelectual.

A lei nada diz acerca das medidas que podem ser concretamente aplicadas, deixando assim ao critério do julgador a sua determinação, não se encontrando o tribunal limitado à(s) providência(s) concretamente requerida(s).26

As providências podem ir desde o simples decretamento da inibição ou proibição (acompanhada da respectiva tutela penal27 e do eventual decretamento de uma sanção pecuniária compulsória, com vista a assegurar a sua execução)28 a medidas materiais concretas destinadas a impedir a violação.

O único limite legalmente imposto em relação à escolha das medidas a decretar é – sem prejuízo do que adiante se refere quanto à “proporcionalidade” - o cumprimento do requisito da sua adequação aos fins prosseguidos pela providência, o que importará, em qualquer caso, um juízo criterioso sobre a natureza do direito violado e as circunstâncias concretas da violação.

Devem pois ser decretadas as medidas que se revelem adequadas e necessárias para assegurar o impedimento do início ou continuação da actividade ilícita.

O objectivo das providências requeridas é o de inibir qualquer violação eminente ou proibir29 a continuação da violação, o que desde logo permite alcançar um dos requisitos de aplicação destas medidas, a saber: a existência de uma violação, actual ou iminente do direito invocado.

O requerente deverá demonstrar, ainda que através de prova sumária, quer a violação ou o risco de violação do direito, quer a existência e titularidade do mesmo, quer ainda a sua legitimidade, nos casos em que o direito não é exercido pelo próprio titular.30

Ainda a este propósito, a lei refere expressamente que as medidas podem ser requeridas “sempre que haja violação [do direito invocado] ou fundado receio que outrem cause lesão grave ou dificilmente reparável do direito”. Tal redacção - que não é exactamente coincidente com a formulação da regra geral do artigo 381.º do CPC31 – levanta uma questão pertinente.

De facto, o legislador refere, por um lado, a existência de uma violação (aparentemente actual) e, por outro - tanto quanto se depreende, em alternativa - o receio de lesão grave e dificilmente reparável.

O receio dessa lesão pode, em abstracto, decorrer de uma violação actual (já iniciada) ou de uma lesão eminente (que num juízo probabilístico deverá vir a acontecer). Ora, a verificação do acto ilícito e o risco de tal acto vir a causar danos graves e dificilmente reparáveis são questões bem distintas.

Pretenderá esta norma dispensar o risco de lesão grave e dificilmente reparável nos casos de violações actuais, como parece resultar do teor literal do preceito? Ou, por outro lado, terá pretendido o legislador “apenas” enfatizar o facto de estas providências poderem ser requeridas, para além dos casos em que existe uma violação eminente, também em relação àqueles em que a violação é actual - ou seja, já teve início?

Diga-se, antes de mais, que nem a gravidade da lesão, nem a dificuldade da sua reparação são requisitos constantes da Directiva. Esta basta-se com a demonstração de uma violação actual ou eminente.

Por outro lado, refira-se também que a redacção das alíneas a) e b) das normas em apreço, permitiam já concluir, com cristalina segurança, que as medidas podem ser aplicadas em relação a uma violação que já tivesse sido iniciada ou que estivesse apenas na iminência de ocorrer, o que, aparentemente, afastaria a necessidade de enfatizar também expressamente, no corpo do n.º 1 dessas mesmas normas, a aplicabilidade das medidas a violações actuais.

E, ainda que fosse esse o objectivo, o legislador poderia ter utilizado uma conjunção copulativa ao invés de ter optado por uma conjunção disjuntiva.32

Entendemos, portanto, que o teor literal do preceito leva, desde logo, a concluir pela dispensa da demonstração da gravidade da lesão e da sua difícil reparação, nos casos em que seja invocada (e sumariamente demonstrada) uma violação actual.

A solução deve, porém, ser também buscada na natureza específica dos direitos de propriedade intelectual, natureza essa que é, aliás, expressamente referida nos n.ºs 7, quer do artigo 210.º-G do CDADC, quer do artigo 338.º-I do CPI.33

De facto, quer o direito de autor e direitos conexos quer os direitos de propriedade industrial assumem, tipicamente, a natureza de direitos exclusivos.

Desta natureza resulta, desde logo, a faculdade de “impedir” uma dada utilização por terceiros ou a faculdade de “autorizar” (ou proibir) essa mesma utilização, no que concerne aos direitos de autor e conexos, ou a atribuição do “exclusivo de exploração” – expressão tipicamente utilizada em matéria de propriedade industrial, mas que é também aplicável, em geral, a todos os direitos de propriedade intelectual.

São, pois, direitos dotados de eficácia ‘erga omnes’ (sem prejuízo das excepções expressamente previstas) à qual corresponde, do lado “passivo”, a denominada “obrigação passiva universal” ou o dever geral de abstenção de quaisquer actos que ponham em causa o referido “exclusivo de exploração”.

É precisamente por isso que a violação do exclusivo legalmente outorgado importará por si só, na generalidade dos casos, um grave prejuízo, uma vez que impede o seu titular de exercer, na sua plenitude e sem qualquer restrição, os seus direitos - designadamente na sua faceta negativa de poder impedir a utilização por terceiros.

O dano, além de grave, é também, por via de regra, dificilmente reparável, particularmente quando o exclusivo já foi (ou já começou a ser) violado, na exacta medida em que, sem o decretamento da providência, o titular fica, na prática, impedido de exercer a faculdade que constitui o conteúdo essencial do direito, pelo menos em relação à utilização ilícita que concretamente se visa impedir.

Contra a efectivação provisória e cautelar do direito exclusivo invocado, não deve sequer valer a possibilidade da violação poder vir a ser ressarcida pela via da indemnização. Tal seria, aliás, uma gritante violação do princípio da reconstituição natural.34 Além do mais, semelhante entendimento, se traduzir-se-ia, na prática, na atribuição judicial de uma espécie de “licença compulsiva” ou, ainda pior, na “despromoção” de direitos exclusivos em direitos de crédito, num evidente atentado à natureza dos direitos de propriedade intelectual.

Não foi seguramente por acaso que o legislador comunitário não instituiu, enquanto requisito de provimento das “medidas provisórias e cautelares”, a gravidade da lesão ou a dificuldade da sua reparação.

Também não terá sido mera coincidência o facto do legislador nacional ter regulado, em termos não exactamente coincidentes com o disposto na norma geral do CPC, o risco que estas providências visam evitar. Aliás, de outra forma seriam inúteis, face à aplicação subsidiária das normas gerais do procedimento cautelar comum, as normas especiais ora em apreço.

À semelhança do que ocorreu com os outros procedimentos cautelares especificados previstos no CPC, propendemos para entender que o legislador quis regular expressa e especificamente a matéria do risco que a providência visa acautelar, dispensando a sua demonstração, nos casos de violação actual. E assim é, precisamente, porque atenta a natureza exclusiva do direito - e à semelhança do que ocorre com, por exemplo, o procedimento cautelar para restituição provisória da posse (artigo 393.º do CPC) - o prejuízo está in re ipsa, pelo que se deve dar por verificado.35 36

Apesar da posição que ora defendemos, sempre se dirá que – independentemente da interpretação dada à norma nacional acerca da dispensa ou não da demonstração do receio de lesão ou da dificuldade da sua reparação nos casos de infracções actuais – tipicamente (sempre que o direito invocado tenha carácter exclusivo), esse risco deve ter-se por verificado, pelas razões acabadas de referir. A prova no procedimento cautelar deve pois incidir, sobretudo, sobre a violação do direito ou a probabilidade séria e justificada dessa violação e, obviamente, sobre a sua existência do próprio direito, titularidade e legitimidade do requerente.

Sendo nosso entendimento estarmos perante um procedimento cautelar especificado, é discutível ser-lhe aplicável a possibilidade de recusa da providência “quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretenda evitar” (Cfr. n.º 1 do artigo 397.º e n.º 2 do artigo 386.º do CPC) – trata-se agora do requisito de “proporcionalidade”.

Aparentemente o entendimento maioritário na nossa doutrina e jurisprudência parece ir no sentido de afastar a aplicação do mencionado requisito apenas nos casos expressamente referidos no n.º 1 do artigo 397.º, ou seja, apenas aos procedimentos cautelares especificados regulados nos artigos 393.º e seguintes do CPC.

Admitindo a necessidade de verificação de tal ou critério de proporcionalidade, sempre se dirá que, também ele, deve ser aferido e aplicado tendo em atenção a natureza do direito concretamente invocado e à luz da norma vertida nos n.ºs 7 dos artigos 210.º-G do CDADC e 338.º-I do CPI.37

Não olvidamos que o entendimento que ora subscrevemos importa um risco e responsabilidade acrescidas para o julgador, mas também não é menos verdade que, para a salvaguarda do requerido, quer a Directiva quer a legislação nacional, instituem mecanismos tendentes a responsabilizar o requerente em casos de recursos temerários a estes procedimentos. A sua rigorosa e efectiva utilização deverá ser – em concreto, na nossa prática judicial – o contraponto das faculdades conferidas ao alegado titular de direitos de propriedade intelectual.

3.5 O(s) Arresto(s)

Sob a epígrafe “arresto”, o legislador nacional criou os artigos 210.º-H do CDADC e 338.º-J do CPI que, não sendo exactas cópias um do outro, pretendiam claramente tê-lo sido.

Da simples leitura de cada um dos referidos preceitos resulta, desde logo, que podem - ou melhor, devem - ser divididos em dois, porquanto regulam de diferente modo situações que são, de facto, distintas na sua natureza. Importa, pois e antes de mais, proceder à caracterização de cada um dos institutos previstos em ambos os artigos.

Sob o n.º 1 de ambas as normas legais, confere-se ao interessado a possibilidade de requerer ao Tribunal a apreensão de bens móveis e imóveis, incluindo saldos de contas bancárias, sempre que exista uma infracção actual ou iminente à escala comercial, e aquele prove a existência de circunstâncias susceptíveis de comprometer a cobrança da indemnização por perdas e danos.

Para o efeito é atribuída ao Juiz a possibilidade de ordenar a comunicação ou acesso aos dados e informações bancárias ou comerciais respeitantes ao infractor.

Importa agora comparar este n.º 1 com o arresto previsto nos artigos 406º e ss do CPC para apurar se aquele se subsume neste ou se tem verdadeiras especificidades que lhe confiram autonomia.

À primeira vista, seria defensável concluir-se que os objectivos do arresto do CPC e do n.º 1 do artigo 210.º-H do CDADC e do artigo 338.º-J do CPI são apenas um e o mesmo: assegurar a garantia patrimonial do crédito do requerente; até porque os pressupostos de ambos são em tudo similares - o risco específico que as normas visam acautelar é, de facto, idêntico. Nesta óptica, a diferença entre os institutos estaria apenas no facto de os artigos 210.º-H e 338.º-J limitarem o recurso a este procedimento às situações em que a infracção é perpetrada a escala comercial.

Ora, se assim fosse, o requerente teria a possibilidade de optar pela interposição de um arresto, nos termos gerais do direito, sem a referida limitação (a escala comercial da infracção), pelo que as normas em análise não revelariam qualquer vantagem ou utilidade prática.

Ora, esta não é a tese que se subscreve porquanto a lei 16/2008 prevê uma verdadeira inovação ao conferir ao Juiz – no caso de arresto de saldos bancários – a faculdade de ordenar a comunicação ou o acesso aos dados e informações bancárias ou comerciais respeitantes ao infractor.

Claro está que a relevância desta possibilidade não reside propriamente no poder que é conferido ao Juiz mas sim no seu contraponto, ou seja, o poder do Juiz promover buscas e consultas, quando o interessado não identifique adequadamente as contas bancárias cujos saldos pretende ver arrestados.

Diferentemente dispõe o artigo 407º do CPC, que prevê que o requerente relaciona os bens que devem ser apreendidos.38

Resulta do exposto que as normas específicas do CDADC e CPI assumem, em parte, um carácter inovador, ou pelo menos não totalmente coincidente com o arresto previsto na legislação processual civil.

Com base em critérios idênticos aos que nos levaram a caracterizar as medidas de preservação da prova como um procedimento cautelar especificado, entendemos que a inclusão deste arresto corresponderá também – por maioria de razão - à criação de um procedimento cautelar tipificado regulado pelo disposto nos artigos 210.º-C a 210.º-E do CDADC ou 338.º-E a 338.º-G do CPI e, subsidiariamente, pelas regras aplicáveis ao procedimento cautelar comum, constantes do CPC e não pelas regras especiais aplicáveis ao arresto previsto nesse mesmo código.

Tal aplicação subsidiária levará, desde logo, a afastar a dispensa obrigatória ou “automática” de contraditório prévio do requerido.

Ainda que esta não se afigure ser a melhor solução – e que, na generalidade dos casos, esta dispensa deva, atento o objectivo da norma, ser concedida – não nos parece que possa ser outro o entendimento da Lei.

Será possível defender que os pressupostos deste “arresto” especial (“sempre que o interessado prove a existência de circunstâncias susceptíveis de comprometer a indemnização por perdas e danos”) e da providência cautelar de arresto prevista no CPC (justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito) poderão não ter exactamente o mesmo conteúdo e significado. Não obstante, cremos que, na generalidade das situações concretas, os factos constitutivos de uma e outra das previsões serão essencialmente idênticos.

Os n.ºs 2 dos referidos artigos 210.º-H do CDADC e 338.º-J do CPI, conferem ao interessado a possibilidade de, sempre que haja violação actual ou iminente de direitos de propriedade intelectual, requerer ao Tribunal a apreensão dos bens que suspeite violarem esses direitos, bem como dos instrumentos que sirvam essencialmente para a prática do ilícito. A pergunta que imediatamente surge é: porquê a epígrafe arresto, já que não há qualquer relação com garantias patrimoniais de créditos e com assegurar o efeito útil de sentenças.

Estar-se-á perante um arresto; um outro procedimento cautelar especificado; ou pura e simplesmente este n.º 2 nada acrescenta à providência cautelar para defesa de direitos, anteriormente analisada?

Ora, a primeira hipótese resulta já afastada porquanto o espírito da lei é outro que não a prevenção da executoriedade da sentença que vier a ser proferida. Cremos que não se trata de um arresto (no sentido que esta expressão tem na lei processual civil geral).

Importa então compreender do que se trata, conhecer a sua ratio, e o seu âmbito de aplicação, para, a final, concluir pela necessidade da sua autonomização, enquanto procedimento cautelar especificado.

Há um dado que temos por certo: o legislador acautelou expressamente a questão da apreensão dos bens que se suspeite violarem direitos e dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito.

Este tratamento individualizado pode corresponder a uma opção de transposição quase literal da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Directiva. Se assim for, ficou apenas por referir que o intuito é o de impedir a entrada em circulação ou a continuação da circulação de bens que são violadores de direitos de propriedade intelectual.39 40

Mas é possível encontrar também uma outra fonte material deste preceito no já existente artigo 201.º do CDADC, previsto especificamente para a tutela penal. Vista a norma por este prisma, o legislador teria apenas transposto para a tutela civil uma regra idêntica à já existente na tutela penal do CDADC, que agora também aplica ao CPI.

Ora, as hipóteses não são incompatíveis, sendo certo que se referiu de forma expressa e autónoma a possibilidade de requerer a apreensão dos referidos bens e instrumentos.

O que importa averiguar é se esta apreensão é uma verdadeira providência cautelar ou se se reduz à concretização de uma medida a requerer pela via do procedimento cautelar plasmado nos artigos 210.º-G e 338.º-J do CDADC e CPI respectivamente, estes sim uma clara a absoluta inovação.

Se optarmos pela não autonomização desta medida, então – e por força dos referidos artigos 210.º-G e 338.º-J – é certo que o seu objectivo só pode ser um de dois: impedir a violação iminente ou suspender a violação actual, até porque é de excluir o intuito de preservação da prova já assegurado pelas normas anteriormente analisadas.

Sucede, porém, que a medida prevista nas normas ora em análise dispensa um dos requisitos que aquele procedimento cautelar para defesa do direito parece tipificar como necessário, pelo menos nos casos de violações iminentes: a existência de risco de lesão grave e dificilmente reparável. Este facto é inultrapassável.41

Buscamos a razão para ter sido criada uma medida concreta que permite a apreensão de bens e instrumentos, prescindindo da demonstração do requisito tradicional das Providências Cautelares – o periculum in mora.

A não referência ao requisito reside no facto de – tratando-se, como se trata, de direitos exclusivos – ser a lesão uma decorrência necessária de qualquer violação e por natureza irreparável se atendermos ao já referido princípio da reconstituição natural plasmado no Código Civil. Aparentemente, o ênfase da norma está, de facto, nos bens objecto do ilícito – ou nos instrumentos sirvam para a sua prática – e não no dano concreto produzido pela violação.

Aliás, se tais bens existem, a violação já se verificou, ou pelo menos já foi iniciada, sendo que a questão da violação iminente apenas se pode colocar, em bom rigor lógico, em relação aos referidos “instrumentos” utilizados (ou a utilizar) para a prática do ilícito.

Assim sendo, salta à vista que o interesse é o de “segurar” e “capturar” bens corpóreos. Este é o objectivo do legislador, mais do que, propriamente, responsabilizar os infractores – esse será tipicamente o objecto da correspondente acção principal.

Esta conclusão remete-nos novamente para a alínea b) do n.º 1 do artigo 9º da Directiva onde se prevê a necessidade de os Estados Membros permitirem a apreensão de bens e instrumentos objectos de ilícitos, para impedir a sua entrada em circulação ou a continuação da sua circulação.

O legislador comunitário entendeu – e bem – que este objectivo justifica, por si só, a autonomização da medida, pelo que a previu numa alínea específica em que nenhum requisito adicional é exigido.

Opção semelhante teve o legislador nacional ao referir autonomamente a possibilidade de o interessado requerer ao Tribunal a apreensão de tais bens e instrumentos.

Também aqui, por maioria de razão, tendemos a considerar que o prejuízo que concretamente se visa evitar se encontra in re ipsa e decorre ope legis da norma em análise. São, por isso, aplicáveis as considerações que a este propósito tecemos, na secção anterior, a propósito das providências cautelares para a defesa dos direitos de propriedade intelectual, com ainda maior apoio na letra da norma.

Na mesma ordem de ideias conclui-se que a infracção pode até ter-se já verificado e nem por isso o decretamento da providência deverá ser recusado, caso a circulação de materiais contrafeitos ou usurpados (também ela um acto ilícito) prossiga. Não se trata de ignorar o requisito da actualidade ou eminência da violação, também exigido pelo legislador comunitário, mas apenas de o interpretar em toda a sua plenitude, no contexto em apreço, e tendo em conta os fins declarados da “medida”, expressamente referidos na Directiva.

A autonomização desta matéria no n.º 2 (em que nem é referida a lesão grave e dificilmente reparável) leva-nos a concluir que se pretendeu – de facto – criar um novo procedimento cautelar especificado; procedimento esse, destinado mais “às coisas” do que à pessoa do infractor ou aos actos ilícitos por ele perpetrados, tudo no espírito do artigo da Directiva que lhe deu origem.

Há, todavia uma falha a apontar: o legislador nacional não referiu o objectivo último da medida: impedir ou suspender a circulação de bens objecto do ilícito e - numa inovação em relação à Directiva – de bens que sejam ou possam ser usados, em concreto, para violar direitos de propriedade intelectual.

É claro que nada obsta, como temos vindo a referir, que no âmbito de um procedimento cautelar, destinado à tutela preventiva de um direito de propriedade intelectual, seja também requerida a apreensão de tais bens ou instrumentos.

4. Conclusão

Apesar das dificuldades interpretativas suscitadas pelo teor das normas nacionais que visam transpor a Directiva em matéria da tutela preventiva dos direitos de propriedade intelectual – dificuldades essas que, em boa medida, têm a sua causa directa no próprio processo legislativo que lhes deu origem – parece-nos que as alterações ora introduzidas poderão constituir poderosos e úteis instrumentos ao serviço dos respectivos titulares.

De facto – não obstante as deficiências pontuais que tivemos oportunidade de assinalar – resulta evidente que é agora possível ao titular de um direito de propriedade intelectual violado ou potencialmente ameaçado, lançar mão de um conjunto de “instrumentos” e faculdades adjectivas que lhe permitam obter e preservar provas de uma alegada violação, obter informações relevantes sobre os circuitos de produção, comercialização e distribuição de bens usurpados ou contrafeitos, impedir ou suspender uma violação iminente ou actual e, bem assim, apreender bens objecto do ilícito ou instrumentos que sirvam para a sua prática.

Ao longo da análise efectuada às várias disposições legais – algumas deles de conteúdo verdadeiramente inovador – foi possível verificar como uma interpretação teleológica dos preceitos, devidamente enquadrada e alicerçada na natureza dos direitos em causa, permitirá superar algumas perplexidades e dúvidas suscitadas pelo texto da lei nacional e alcançar plenamente os objectivos preconizados pelo legislador comunitário.

Competirá agora à prática jurisprudencial quotidiana, desejavelmente enquadrada numa interpretação conforme com o Direito Comunitário, dar vida e utilidade às “medidas, procedimentos e recursos” que o legislador pôs ao serviço da propriedade intelectual. Assim fará a Lei o seu caminho.



* Advogado e Responsável pelo Departamento Jurídico da AUDIOGEST / PassMúsica, com a colaboração de Isabel Sarsfield Rodrigues -Advogada da Sousa Guedes, Oliveira Couto & Associados, Sociedade de Advogados, RL. As posições defendidas vinculam apenas o autor e colaboradora e não as entidades referidas.

1 A título de exemplo refira-se que a Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, foi transposta apenas em 24 de Agosto de 2004, através da Lei 50/2004, quando o prazo de transposição expirava em 22 de Dezembro de 2002.

2 O primeiro ante-projecto de proposta de lei de transposição que veio a público assumia, na sua nota justificativa “… seguiu-se de perto o texto da Directiva, optando-se por não consagrar apenas algumas soluções facultativas por serem estranhas à nossa tradição ou pouco adequadas aos casos concretos.”. Foi a coberto deste critério que muitas das normas da Directiva foram ignoradas neste primeiro anteprojecto. Era pois claro que os autores do ante-projecto haviam optado por uma transposição selectiva, através da qual escolheram as normas que entendiam por conveniente transpor. Ora, tal “selecção”, atento o carácter imperativo da generalidade das normas da Directiva, poderia constituir uma violação do dever de transposição das normas comunitárias por parte do Estado Português.

3 Pode efectivamente ocorrer, por exemplo, que circulem no mercado duas edições de um mesmo fonograma ou videograma, e que ambas tenham a aparência de exemplares legítimos ou “autorizados”. Ora, nestes casos – que resultam as mais das vezes de disputas relacionadas com diferentes cedências, transmissões ou licenciamentos de direitos de produtor - ambas as partes arrogam-se da titularidade de um mesmo direito. Não se trata da hipótese em que um alegado titular procura impedir uma utilização abusiva por parte de um terceiro que, todavia, não se arroga da titularidade do respectivo direito de autor ou conexo. Nestas circunstâncias, a disputa sobre a titularidade será, tendencialmente, o objecto principal da acção ou procedimento.

4 O n.º 1 do artigo 7.º do CPI dispõe que “A prova dos direitos de propriedade industrial faz-se por meio de títulos, correspondentes às suas diversas modalidades”.

5 O artigo 73.º do CDADC dispunha já que tais entidades “têm capacidade judiciária para intervir civil e criminalmente em defesa dos interesses e direitos legítimos dos seus representados em matéria de direito de autor, sem prejuízo da intervenção de mandatário expressamente constituído pelos interessados”. O artigo 192.º estendia já este regime aos titulares de direitos conexos e respectivas organizações. O regime da constituição, organização, funcionamento e atribuições das Entidades de Gestão Colectiva do Direito de Autor e dos Direitos Conexos está regulado na Lei 83/2001, de 3 de Agosto.

6 A expressão genérica “interesse directo no seu decretamento” não estará também isenta de dúvidas, particularmente quando o texto da norma indicia que a referência aos titulares do direito e beneficiários de licenças será meramente indicativa.

7 Texto do n.º 2 do artigo 210.º - G, na parte que importa, em tudo idêntico ao n.º 3 do artigo 210.º - H.

8 Parece-nos que a referência a “representante autorizado” constante do n.º 1 do artigo 210.º - F (Obrigação de Prestar Informações) terá idêntico significado, se não mesmo um objecto mais vasto. Esta referência, curiosamente, não consta de idêntica norma do CPI, ainda que tal seja irrelevante, atento o teor do já referido artigo 338.º - B desse mesmo diploma legal.

9 Estas, não sendo titulares nem se encontrando propriamente “autorizada a utilizar” o direito (são meras gestoras, em representação dos titulares), obtêm a sua legitimidade, não por esta via, mas através da norma geral do artigo 73.º do CDADC.

10 Convenção Internacional para a protecção dos artistas intérpretes e executantes, dos produtores de fonogramas e dos organismos de radiodifusão, aprovada em Roma a 26 de Outubro de 1961 e ratificada em Portugal pela Resolução da Assembleia da república n.º 61/99 de 16 de Abril de 1999, publicada pelo Decreto do Presidente da República n.º 168/99, de 22 de Julho.

11 Tal reivindicação é efectuada através da aposição do símbolo (P), acompanhada do ano da primeira publicação ou da indicação do nome, designação ou marca, na cópia ou respectivo invólucro.

12 O n.º 3 do artigo 185.º do CDADC, introduzido pela Lei 16/2008, de 1 de Abril, tem a seguinte redacção: “Presume-se produtor do fonograma ou videograma aquele cujo nome ou denominação figurar como tal nas cópias autorizadas e no respectivo invólucro, nos termos dos números anteriores”.

13 O legislador terá pretendido estender também às medidas de obtenção da prova o disposto na Directiva em matéria de direito à informação ou de medidas provisórias e cautelares. Também elas podem, de acordo com a Directiva, ser requeridas contra terceiros, entendendo-se como tal, outros que não o alegado infractor.

14 A Directiva refere, a este respeito, que o requerente deve apresentar “provas razoavelmente disponíveis e suficientes para fundamentar as suas alegações”.

15 De facto, as medidas em análise não se destinam a produzir prova, mas apenas a obter elementos (documentos e outras coisas corpóreas) que serão posteriormente utilizados para a produção de prova. A epígrafe dos artigos é, pois, enganadora. Melhor andaria o legislador se tivesse titulado o artigo de “Obtenção de Elementos de Prova”, uma vez que é disto que se trata.

16 Acerca do exacto significado da expressão ínsita no n.º 1 do artigo 210.º-B do CDADC e n.º 1 do artigo 338.º-D do CPI “...violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito...” e da forma como deve ser entendido o periculum in mora, neste contexto, cfr. infra o que referimos sobre esta matéria a propósito das providências cautelares para defesa do direito, entendimento esse que consideramos aplicável também a estas normas.

17 Ainda que se reconheça que, na prática, a apreensão efectiva de bens, materiais e instrumentos, poderá impedir a continuação ou a consumação do ilícito, tendo assim o efeito prático equivalente a uma medida cautelar para defesa do direito invocado.

18 Efectivamente, tal apreensão poderá ser também efectuada, consoante os casos, no âmbito do “novo” arresto previsto no CDADC e CPI, das providências cautelares destinadas a impedir ou suspender a continuação do ilícito, ou das medidas cautelares de polícia, sempre que tal ilícito seja também criminalmente punido.

19 Algumas das mencionadas disposições vêm transcrever disposições do CPC, ainda que com assinaláveis diferenças, facto que vem apenas dificultar, ainda mais, a interpretação dos preceitos.

20 Era esta, aliás, a solução que, a par da possibilidade de recurso à via cautelar, se encontrava expressamente prevista no Projecto de Lei 391/X/2.ª, do PCP, mas que não foi transposta para a versão final aprovada.

21 Trata-se portanto de processos urgentes, sujeitos ao regime do artigo 382.º do CPC.

22 Em boa verdade, e apesar do que parece transparecer do teor literal da norma, o que importa, no âmbito da aplicação destas medidas, que se destinam a preservar elementos de prova, não é tanto a irreparabilidade ou não da violação e lesão invocadas, em si mesma, mas a impossibilidade ou dificuldade séria destas virem a ser demonstradas, em toda a sua amplitude, na acção principal, em virtude do risco de destruição, ocultação ou adulteração da prova. O perigo que se visa acautelar, não é, portanto, a lesão em si (ainda que a lesão ou risco desta vir a ocorrer também seja exigido) mas a impossibilidade ou dificuldade séria da sua integral demonstração. Sobre o risco e prejuízo resultante de violação expressamente acautelado, cfr. infra o que referimos acerca das providências cautelar para a defesa do direito.

23 Ainda que se defenda a sua aplicação analógica nos casos em que o direito à informação é exercido pela via da providência cautelar comum, como preliminar de uma providência cautelar expressamente prevista nos artigos 210.º - G do CDADC ou 338.º-I do CPI.

24 Sendo assim aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3 do artigo 392.º do CPC, in fine.

25 Cfr. n.º 2 do artigo 210.º - H do CDADC e n.º 2 do artigo 338.º-J do CPI, adiante analisados.

26 N.º 3 do artigo 392.º do CPC.

27 Artigo 391.º do CPC.

28 Vide n.º 4 do artigo 210.º-G do CDADC e n.º 4 do artigo 338.º-I do CPI.

29 A expressão não é a mais feliz. Melhor seria que o legislador tivesse optado pela formulação “impedir ou suspender a continuação da violação”.

30 Cfr. N.º 2 dos artigos 210.º -G e 338.º - I e n.º 1 do artigo 384.º do CPC.

31 Este artigo refere apenas o “fundado receio de que outrem cause lesão grave ou dificilmente reparável ao seu [do requerente] direito”.

32 Efectivamente, se a intenção do legislador fosse apenas a de enfatizar a possibilidade de aplicação destas medidas em relação a infracções actuais, poderia ter formulado a norma da seguinte forma: “Sempre que haja violação, actual ou eminente, e fundado receio que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito ...”

33 Para facilitar a compreensão do leitor, transcreve-se a norma em questão, cuja redacção é idêntica nos dois diplomas: “Na determinação das providências previstas neste artigo, deve o tribunal atender à natureza específica [do direito de autor ou dos direitos conexos / dos direitos de propriedade intelectual], salvaguardando nomeadamente a possibilidade de o titular continuar a explorar, sem qualquer restrição, os seus direitos.”

34 O princípio da reconstituição natural (Cfr. artigos 562.º e n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil Português) é outro argumento que fundamenta a nossa posição.

35 Sobre o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável e a dispensa do requisito da gravidade da lesão em algumas providências cautelares nominadas, incluindo a restituição provisória da posse, ver José Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2001, 2.º Vol., pp 6 e 7. Entendemos que as razões que levam à dispensa da demonstração da gravidade do risco de lesão, em tais casos, nomeadamente em relação à defesa cautelar da posse em casos de esbulho violento, se aplicam também aos direitos de propriedade intelectual que o procedimento ora em análise visa tutelar.

36 Entendimento semelhante ao que aqui defendemos foi, pelo menos parcialmente, sufragado pelo 2.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo - numa decisão ainda não transitada em julgado á data em que escrevemos estas linhas - que recaiu sobre um processo que opunha uma entidade de gestão colectiva de direitos de produtores fonográficos a um utilizador do reportório musical entregue à gestão daquela entidade.

37 Aliás, a doutrina, muito embora propenda para recusar a interpretação extensiva da norma plasmada no n.º 1 do artigo 397.º do CPC, não afasta a possibilidade de aplicação analógica do preceito a outros procedimentos cautelares especificados não previstos no CPC (Cfr. por todos José Lebre de Freitas, Op. Cit., Pag. 64).

38 Ainda que a doutrina e jurisprudência tenham vindo a defender uma aplicação, por assim dizer, “mitigada”, do requisito do relacionamento dos bens, mesmo no âmbito do arresto previsto no CPC.

39 O legislador nacional acrescentou também – e diga-se, bem - a possibilidade de acesso e apreensão dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, alargando assim quer o objecto, quer os fins da providência.

40 A propósito dos bens que podem ser objecto da medida refira-se que, a letra de ambos os preceitos parece traduzir uma maior exigência no caso de direitos de propriedade intelectual “instrumentos que apenas possam servir para a prática do ilícito” que no caso de violações de direitos de autor e conexos “instrumentos que sirvam essencialmente para a prática do ilícito.” (Cfr. n.º 2 do artigo 210.º-H do CDADC e n.º 2 do artigo 338.º-J do CPI).

41 A única decisão judicial de que temos conhecimento sobre a matéria, vem confirmar, nesta parte, este entendimento. Trata-se da sentença proferida pela 2.ª Secção da Vara de Competência Mista da Comarca de Coimbra - numa decisão ainda não transitada em julgado á data em que escrevemos estas linhas - que recaiu sobre um processo que opunha uma entidade de gestão colectiva de direitos de produtores fonográficos a um utilizador do reportório musical entregue à gestão daquela entidade.

 


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